Prefácio de Michaela Haas (O poder das Dakinis)

Muitos de nós sonham em trocar as responsabilidades do dia a dia por uma vida genuína e plena de propósito, mas poucos conseguem fazer algo a respeito. As mulheres deste livro são exceções.

O que leva uma jovem bibliotecária de Londres a embarcar em um navio para a Índia, meditar sozinha em uma caverna remota por doze anos e depois construir um próspero monastério nos Himalaias? Como uma surfista de Malibu se torna a líder da principal organização internacional para mulheres budistas? Por que a filha de um executivo da música, em Santa Monica, sonha tão intensamente com pavões em uma noite que persegue essas imagens até o Nepal, onde encontra o amor de sua vida? Essas são algumas das biografias fascinantes deste livro: doze histórias de coragem, determinação e sabedoria.

As mulheres apresentadas em O poder das Dakinis são universalmente reconhecidas como praticantes realizadas e professoras brilhantes, e trazem novos insights sobre o budismo no Ocidente. Esta obra concentra-se especificamente em professoras contemporâneas do budismo tibetano, tanto ocidentais quanto asiáticas, que ensinam no Ocidente.

Todas as doze mulheres seguiram sua intuição, contra tudo e contra todos, tomaram decisões radicais e algumas vezes tiveram que lutar por sua sobrevivência para terem a vida que imaginaram. Todas foram criticadas em um momento ou outro — por serem muito conservadoras ou muito rebeldes, muito feministas ou não feministas o suficiente —, mas todas sobreviveram com imensa bravura. Que inspiração as histórias dessas mulheres oferecem aos
buscadores espirituais modernos!

Algumas dessas professoras, como Dagmola Sakya, Tsultrim Allione e Elizabeth Mattis-Namgyel, são mães e lutaram para criar seus filhos enquanto trabalhavam e encontravam tempo para seu caminho espiritual. Outras, como Tenzin Palmo, Pema Chödrön e Karma Lekshe Tsomo, nasceram em centros movimentados do Ocidente, mas decidiram se tornar monjas e trocaram seus nomes ingleses de nascimento por nomes de ordenação tibetanos. Algumas como, por exemplo, Dagmola Sakya e Khandro Tsering Chödron, revelam vislumbres fascinantes do Tibete pré-comunista anterior à invasão chinesa que as catapultou para o exílio. Chagdud Khadro, Thubten Chodron e Sangye Khandro foram criadas no Ocidente, e uma necessidade inexplicável as levou a atravessarem o Afeganistão e o Paquistão para chegarem à Índia em frágeis ônibus internacionais. Por outro lado, Khandro Rinpoche, uma das poucas mestras tibetanas encarnadas, nasceu e foi treinada na Índia, mas depois mudou-se para os Estados Unidos para investigar a louca mente ocidental. Roshi Joan Halifax juntou-se ao movimento pelos direitos civis e esteve envolvida na contracultura dos anos 60 antes de encontrar sua vocação para ajudar os moribundos. Ela é uma professora do Zen, incluída neste livro devido aos seus fortes laços com professores tibetanos e práticas tibetanas básicas.

Originalmente, a história da vida de Khandro Tsering Chödron deveria ser o capítulo de abertura deste livro, mas infelizmente ela morreu durante minha pesquisa. O último capítulo deste volume, agora, é uma homenagem de despedida a ela, destacando sua herança como as lições que podemos aprender da vida e da morte de uma praticante altamente realizada.

MODELOS, REFORMADORAS, RADICAIS

Raramente encontramos alguém que nos toca profundamente até o âmago e que incorpora uma sabedoria profunda que realmente nos transforma. Para mim, as mulheres incluídas neste livro são mestras extraordinárias. Todas são mulheres altamente instruídas e experientes. Algumas delas publicaram livros que recomendo que você leia. Mas o que acho mais inspirador é como elas vivem a sabedoria budista no dia a dia como se comportam não apenas no trono em que dão ensinamentos, mas em situações pessoalmente desafiadoras, como lidam com coisas complicadas como morte, divórcio, traição e perda.

O que podemos aprender com essas mulheres? Como elas lidam com as diferenças culturais? Como elas lidam com os aspectos mais controversos do budismo? As ocidentais entre elas arriscaram se afastar de suas famílias e amigos mais próximos ao mergulharem suas vidas em uma cultura estrangeira. Com frequência, isso exigiu mudanças de vida radicais e, muitas vezes, elas arriscaram suas próprias vidas. O que encontraram em suas jornadas? Será que o preço que pagaram valeu a pena para elas?

Embora eu seja formada e tenha doutorado em jornalismo, também sou uma estudante do Dharma. Minha intenção é homenagear as vidas e as realizações dessas mulheres pioneiras do budismo no Ocidente, sobretudo porque elas parecem ter superado obstáculos com que muitos se debatem, inclusive eu. Encontrei força e coragem em sua amizade e ensinamentos.

Tanto como acadêmica quanto como jornalista, fui treinada para fazer reportagens “neutras”, mas este não é um livro neutro e “objetivo”. Nas duas décadas em que trabalhei como escritora, também aprendi que a objetividade é, de qualquer maneira, uma meta impossivelmente distante porque nossas biografias inevitavelmente colorem nossa experiência. É simplesmente mais honesto afirmar de saída que meu interesse é pessoal e que toca o meu coração. Cada capítulo é baseado em encontros pessoais com as professoras, e algumas delas conheço há muitos anos. Às vezes, elas me indicaram ensinamentos que haviam dado em outros lugares, e demonstrei respeito pelo tempo delas tentando não prolongar as entrevistas com perguntas que haviam respondido em outros lugares. Aceitei os pedidos de exclusão de alguns materiais pessoais e adaptei algumas seções para proteger a identidade de fontes cuja situação política poderia ser precária. Minhas notas ao fim de cada capítulo fornecem detalhes mais completos.

Este livro é um trabalho de amor. Embora sua verdadeira essência não possa ser capturada com meras palavras, aspiro homenagear essas mulheres notáveis e oferecer-lhes o respeito que merecem por seguirem seus sonhos até o fim. Peço desculpas sinceras caso tenha cometido algum erro ou deturpado o seu trabalho de alguma maneira.

UMA JORNADA QUE TRANSFORMA A VIDA

Fui introduzida ao budismo no outono de 1996 quando, após uma grave crise de saúde aos 26 anos, tirei três meses de minha vida agitada como repórter e reservei uma passagem para dar a volta ao mundo, incluindo Índia, Sri Lanka, Maldivas e Butão. As Maldivas eram para mergulhar com tubarões, a Índia para ioga e mercados, o Sri Lanka para massagens com óleo, e o Butão — bem, aquele minúsculo reino do Himalaia apareceu aleatoriamente porque um amigo o elogiou como um “destino realmente exótico”, mas difícil de entrar. Isso foi o suficiente para despertar minha curiosidade. Eu sabia muito pouco sobre o budismo na época, mas acatei o conselho do amigo de que os butaneses não gostavam de hordas de turistas ignorantes. Eles exigiam que sua religião oficial fosse levada a sério. Apenas os budistas teriam permissão para entrar nos templos mais “legais” e sagrados, disse ele. Antes de embarcar no minúsculo avião para voar pelos Himalaias, obedientemente me sentei nas praias das Maldivas para estudar um árido guia de arte budista. O alegre meditante dourado na postura de pernas cruzadas em lótus era o Buddha, fácil de entender. O aventureiro com o tridente e o chapéu engraçado chamava-se Padmasambhava, venerado como o pioneiro do budismo tibetano. Memorizei o nome da pacífica senhora branca nua com o lótus em sua mão esquerda como Tara, a Buddha da Compaixão.

Embora eu sempre tenha sido fascinada pelas ideias budistas, não estava muito interessada em um significado mais profundo. Apenas colecionava memórias exóticas. Inesperadamente, no Butão, os desenhos das deidades dançantes ganharam vida. As pinturas vibrantes nos templos em locais isolados tocaram um lugar mais profundo em meu coração. Algo dentro de mim se conectou às explosões de cores e mantras que encontrei durante a caminhada. Minha mente mudou para uma consciência aguda que eu nunca tinha conhecido, um vislumbre em primeira mão do que os tibetanos chamam de “natureza da mente” — a simplicidade nua da consciência além dos conceitos. Com rachaduras irreparáveis nas paredes sólidas da minha antiga percepção, eu não poderia ter voltado à minha vida antiga, mesmo se quisesse. Vim como turista, saí como peregrina.

Incapaz de descobrir o que exatamente causou essa transformação, fiquei cativada demais para descartá-la como uma miragem de turista. Minha mente foi tocada com profundidade suficiente para indagar do que se tratava aquela cultura de sabedoria tão única. Por que havia tantas deidades, que insights aquelas enormes bibliotecas guardavam? Fiquei intrigada com os professores tibetanos que conheci. Eles eram duros, mas brincalhões. Não aceitavam coisas sem sentido, mas seus rostos mostravam sorrisos suaves. Irradiavam um destemor alegre por meio de sua presença poderosa que era radicalmente diferente do nervosismo da minha redação. Eles sabiam de algo que eu precisava saber. A mente é a criadora da felicidade e do sofrimento, eles diziam, e podemos aprender a nos emancipar da mudança incontrolável dos eventos externos, conhecendo a nossa mente e a sua natureza. Eu, de fato, voltei ao jornal, mas, durante minha missão seguinte na Ásia, enviei minha demissão por fax, de uma cabana de correio nepalesa precária, para meu chefe estupefato: “Obrigado por todo o seu apoio. Eu não vou voltar.”

Fiquei profundamente interessada na exclusiva ciência tibetana da mente. Em uma sessão simples de meditação sentada, por 20 minutos, logo percebi que minha noção de ter controle sobre minha própria mente estava mascarando uma inabilidade mais profunda — emoções e pensamentos se infiltram continuamente, agitando a mente, que não obedece a nenhum comando. Os ensinamentos do Buddha trazem uma promessa incrível: todos nós podemos reconquistar o assento do motorista se apenas prestarmos atenção — e se entendermos que nunca houve um motorista. O insight até hoje revolucionário do Buddha é que somos o que pensamos — a realidade é aquilo que criamos em nossa mente, e realmente não há limite para a profundidade do potencial da mente. Logo nas primeiras semanas, me inscrevi em um curso de filosofia budista em Katmandu, capital do Nepal, para estudar tibetano e sânscrito. Em meu tempo livre, caminhava pelas montanhas, tentava me sentar de pernas cruzadas em mosteiros remotos com vista para o Himalaia e me sentia mais feliz do que nunca.

Antes da experiência no Butão que transformou minha vida, quando ainda morava na Europa, pensava estar no topo do mundo. Na superfície, tudo estava indo muito bem e eu achava que tinha tudo. Ainda assim, um fato desagradável continuava me incomodando como uma pequena pedra no sapato, por mais que eu tentasse ignorá-lo: eu não estava feliz. Na verdade, estava deprimida. Como isso era possível? Eu sabia com certeza que um emprego de maior prestígio, um namorado mais bonito ou um salário mais alto não proporcionariam mais felicidade. A primeira Nobre Verdade que o Buddha ensinou ressonou com aquela profunda insatisfação que sentia na minha vida muito afortunada: “A vida é sofrimento”, disse ele 2.500 anos atrás, e agora eu reconhecia que a primeira Nobre Verdade não se referia apenas à fome na Somália ou a diagnósticos de câncer, mas descrevia com compaixão um fato fundamental da vida.

E ainda mais importante: o budismo oferecia um caminho completo para realizar o que meu trabalho como jornalista não conseguiu: reduzir o sofrimento. Sempre foi bem claro para mim por que eu queria me tornar uma jornalista política. O meu objetivo era mudar o mundo. Tendo sido criada por pais amorosos em uma vila idílica na Baviera, com apenas 250 habitantes, três fazendas, uma igreja e um bar, eu estava intensamente ciente de como o início  a minha existência havia sido privilegiado, e jurei usar meus textos para dar voz àqueles que não tiveram isso. No entanto, certamente meu projeto de mudar o mundo estava progredindo mais lentamente do que eu esperava. A mudança social não acontecia tão rápido quanto eu a descrevia nos meus textos. Meu entusiasmo juvenil por tornar o mundo um lugar melhor, palavra por palavra, estava diminuindo.

O budismo, então, ofereceu uma alternativa revolucionária: o ideal do bodhisattva no budismo tibetano fala de um guerreiro ou guerreira que busca compassivamente a liberação não para si mesmo, mas para o bem de todos os seres sencientes. E a liberação do sofrimento, uma promessa do caminho budista, era principalmente um assunto da mente, uma revolução interna. Então, meu imperativo mudou de expor governos corruptos para expor a corrupção da minha própria mente.

Assim, há dezessete anos, troquei abruptamente meu primeiro imóvel em Munique por um pequeno quarto em um terraço em Katmandu. Fui morar com uma família tibetana que acabara de escapar do terror chinês e mergulhava de coração neste novo mundo estrangeiro. Continuei trabalhando como repórter de TV e mídia impressa, mas meu foco havia mudado. Mandava reportagens para as revistas de luxo da Índia, Nepal e Butão suficientes para financiar meus estudos e retiros. Surpreendendo até a mim mesma, não fui desencorajada pelos ensinamentos pouco familiares sobre reencarnação e a natureza da mente; pelo contrário, finalmente eles deram respostas às perguntas que eu nutria desde criança: como chegamos aqui? Qual é o propósito da vida?

Quando o líder espiritual dos tibetanos, Sua Santidade o Décimo Quarto Dalai Lama, oferece palestras públicas no Ocidente, muitas vezes a primeira coisa que ele enfatiza é que os participantes não devem abandonar prontamente suas próprias religiões. Como uma budista recém-chegada que cresceu como católica, aquele conselho me intrigava. Porém, uma década adiante no caminho, depois de voltar para a Europa, as diferenças entre a cultura ocidental e a asiática tornaram-se mais óbvias para mim, e pude sentir em primeira mão como era desafiador ter um pé em cada um dos dois mundos. Inesperadamente, minha pesquisa acadêmica trouxe nitidamente o atrito entre a análise racional e a fé religiosa para o primeiro plano, mesmo em uma tradição que se orgulha de se basear na lógica.

Quanto mais me aprofundava no estudo, mais rapidamente me aproximava de um ponto de ruptura predeterminado, uma colisão inevitável entre a minha educação ocidental e a cultura asiática tradicional. Como uma mulher em meio a uma tradição patriarcal, uma acadêmica em meio a uma religião que exige devoção, eu me sentia esbarrando em muitas questões, desafios e exigências que achava difícil conciliar.

Certamente outras mulheres encontraram desafios semelhantes, pensei, e ainda assim elas seguiram em frente, não desistiram. Busquei suas histórias em um momento difícil de minha vida, quando estava em uma batalha contra uma doença crônica e lutando contra alguns dos aspectos mais ultrajantes do budismo tibetano. Transplantar uma tradição antiga de cavernas remotas na Ásia para a megalópole de Los Angeles, onde moro agora, vem acompanhado das dores do crescimento. É um teste de tração que sonda a flexibilidade de nossas mentes e a força de uma tradição. As respostas que recebi dessas professoras abrangem todo o espectro de soluções possíveis, desde a afirmação conservadora sincera de que a tradição de sabedoria, de fato, funciona exatamente como funcionava há mil anos, se praticada de forma correta, até os apelos progressivos por reforma.

Conhecer essas mulheres me deu coragem e inspiração, novos insights e entusiasmo. Espero que, ao conhecê-las neste livro, vocês se sintam inspirados da mesma forma a abandonar velhos medos, explorar novos caminhos e ouvir o sussurro de sua voz interna com confiança.

Michaela Haas

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