Viciados em se ocupar (Trecho do livro À beira do abismo)

Ser atarefado tem sido considerada uma virtude, pelo menos desde os tempos do santo católico Jerônimo, que cunhou a frase: “Mãos ociosas são a oficina do diabo”. O protestantismo também vê o trabalho como inerentemente virtuoso. Sua famosa ética de trabalho enfatiza a produtividade como uma maneira de manter o diabo a distância. Por meio dessas e de outras influências, o trabalho se tornou um aspecto central das nossas identidades culturais e individuais na América moderna. Que tipo de trabalho temos, quantas horas passamos trabalhando e o que conseguimos realizar no trabalho são essenciais para o modo como as pessoas veem a si mesmas. Nossos egos e o senso de valor próprio estão envolvidos com isso. “O que você faz?” é normalmente a primeira pergunta que fazemos a um novo conhecido e nossa tendência é formar opiniões sobre eles com base em suas respostas.

O trabalho é tão importante para nós que tornou-se um vício, um símbolo de status no local de trabalho, com colegas competindo entre si para ver quem saiu mais tarde do escritório na noite passada ou quem trabalhou mais horas no fim de semana. O vício no trabalho é realmente esperado em muitos ambientes e serviços, tanto no Ocidente como no Oriente. É uma forma de dependência particularmente insidiosa porque é socialmente tolerada; afinal de contas é produtiva e muitos acreditam que o trabalho tem um valor moral inerente. O vício em trabalhar e em se manter ocupado tornou-se, para muitos, um princípio orientador, um tipo de religião, mas desprovida da verdadeira espiritualidade, em maior ou em menor grau.

Thomas Merton escreveu,

Existe uma forma generalizada de violência contemporânea à qual o idealista sucumbe mais facilmente: o ativismo e o excesso de trabalho. A pressa e a pressão da vida moderna são uma expressão, talvez a mais comum, de sua violência inata. Permitir-se ser arrastado por uma infinidade de preocupações conflitantes, render-se às muitas demandas, comprometer-se com muitos projetos, querer ajudar a todos em tudo, é sucumbir à violência. O frenesi do nosso ativismo neutraliza nosso trabalho pela paz. Destrói nossa própria capacidade interna de paz. Destrói a fecundidade do nosso próprio trabalho porque mata a raiz da sabedoria interna que faz com que o trabalho frutifique.

Também aprecio as palavras do professor e escritor Omid Safi: “Vivemos em uma cultura que celebra a atividade. Colapsamos nosso senso de quem somos no que fazemos para viver. A exibição pública do quanto somos ocupados é a forma como demonstramos uns aos outros que somos importantes. Quanto mais as pessoas nos veem cansados, exaustos, sobrecarregados, mais pensam que devemos ser de alguma forma... indispensável. Que fazemos diferença.”

Anos atrás, eu tinha um escritório na Biblioteca do Congresso, próximo ao escritório do Dr. George Chrousos, um endocrinologista especializado em estresse. Perguntei a ele se as pessoas poderiam se tornar viciadas em seus próprios neurotransmissores. Ele respondeu com um enfático “Sim”. Ele disse que a nossa sopa bioquímica de neurotransmissores facilmente estimula nossa antecipação e busca de recompensas compulsiva no ciclo da dopamina e pode nos estressar gravemente.

Alguns anos depois, conheci o Dr. Kent Berridge em uma reunião do Mind and Life Institute em Dharamsala. Ele nos mostrou um vídeo de ratos em seus experimentos que foram estimulados a desejar intensamente água salina, embora naturalmente não gostassem. Os ratos ficaram presos no ciclo da dependência. Dr. Berridge comentou que o consumo induz a mais consumo, mesmo quando não é agradável.

Da mesma forma, fazer coisas alimenta nosso apetite por fazer mais coisas, mesmo que com o tempo nossa atividade compulsiva se torne menos satisfatória e mais estressante. Nunca é suficiente e, ao corrermos nessa esteira hedônica, nossa atenção pode ser completamente cooptada por nossa busca interminável por estímulos (mesmo por estímulos desagradáveis ou prejudiciais), e podemos nos afastar da intimidade e conexão.

Quando o trabalho toma conta das nossas vidas e psiques, nos tornamos como um fantasma faminto, um arquétipo tradicional no budismo que representa uma pessoa que está na esteira hedônica do anseio e do vício. É uma criatura voraz com braços e pernas muito magros, um pescoço fino como um fio de cabelo, um estômago inchado, uma boca minúscula e um apetite que nunca pode ser satisfeito. Ainda mais perturbador é que tudo o que o fantasma faminto coloca na boca se transforma em veneno. O vício em trabalho nos leva ao território maligno do fantasma faminto. É como se estivéssemos empurrando mais e mais horas de trabalho e atividades incansáveis para dentro das nossas bocas minúsculas, inchando nossos estômagos com os produtos químicos venenosos do burnout.

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