Num momento histórico em que presenciamos tanto sofrimento e brutalidade no mun-do, e que ainda parecem ser apenas um prelúdio de um devir quase escatológico; num momento, como em outros de mesma natureza, em que a educação é atacada e vilipendi-ada; num momento no qual o pensar fresco e criativo é um ato herético; num momento em que a reflexão e a ciência às vezes são consideras como blasfêmias na cova do fun-damentalismo; num momento em que educadores são por vezes tomados como substân-cia venenosa, mas que mesmo assim atuam, infatigavelmente e sob intensa pressão, para, além de ensinar, ajudar milhões de estudantes restritos, aprisionados, em casa a suporta-rem o peso da reclusão imposta pela pandemia; num momento como este, apesar de tu-do, é possível vislumbrar saídas. Uma dessas é o livro de Rachel Melo (Kyō Hō), intitu-lado “Crescendo Zen: livro de atividades de meditação para crianças”, um texto sobre educação infantil.
Rachel Melo desenvolve uma metodologia no processo de ensinagem de crianças, que demarca incontáveis e delicadas possibilidades para a plenitude humana; ou seja, um ser humano reflexivo, ético e criativo no ato de existir. Tudo no livro reflete estes aspectos: a diagramação formidável que ficou à cargo da Diretora de Arte Jailma Ribeiro, do selo Lúcida Letra; as ilustrações encantadoras da artista Noemi Assumpção, de Belo Hori-zonte; as apresentações do texto por dois Monges consagrados: Yashiki Chijyō Roshi, Abade do templo Yokōji, Japão, Mestre de Rachel Kyō; e Taikō Shōei Sensei do Mos-teiro Sōjiji, Japão.
Na perspectiva educacional, dois elementos merecem atenção. Primeiro, as práticas de ensinagem propostas e experimentadas no Crescendo Zen que têm como substrato a inte-ração com mundo ao redor de cada criança; ou seja, um olhar generoso e compassivo para todas as coisas (esse é um aspecto básico do método de Raquel Melo que o diferen-cia do chamado Mindfulness). Isso em si, teoricamente, não é novo e vai ao encontro de outras estruturas metodológicas que buscam essa plenitude humana através do ensino, como a de um Paulo Freire ou de um David Ausubel. Ressalte-se nesses casos a impor-tância da perspectiva interacionista social da aprendizagem significativa, um elemento presente no modelo aplicado de Rachel Melo. Entretanto, em o Crescendo Zen, a forma de implementar esses aspectos, inspirada nos achados de práticas milenares do Zen, é uma novidade efetiva e promissora. Esta forma prática estabelece a possibilidade de desencadear subsunçores relevantes não só para o aprendizado acadêmico, em particular nas ciências, mas também para a vida adulta, no âmbito do individual e do social.
É importante destacar, por último, que o Crescendo Zen é reflexo direto dos muitos anos de prática de Rachel Kyō Hō na tradição do Zen do Budhismo japonês, treinando em mosteiros no Brasil e no Japão. Devido a esta maturidade é que o Crescendo Zen se apresenta como um portal de suavidade alternativa à brutalidade contemporânea; um portal de possibilidades amplas a ser ainda mais explorado, no contexto educacional.
Por: Ademir E. Santana
Professor de Física
Universidade de Brasília