Por que é tão difícil pararmos de nos maltratar? (do livro "Autocompaixão")

Por que é tão difícil pararmos de nos maltratar?

Trecho do livro "Autocompaixão", de Kristin Neff

Talvez a nossa tendência para a autocrítica seja mais desconcertante do que o desejo de nos enxergar positivamente. Mas ambos são igualmente fortes. Como o escritor britânico Anthony Powell observou, “o amor-próprio muitas vezes parece não ser correspondido”. Quando não conseguimos reinterpretar a realidade, a fim de nos sentirmos melhores que os outros, quando somos forçados a, finalmente, enfrentar o fato de que nossa autoimagem é mais desonrosa do que gostaríamos que fosse, o que acontece? Com frequência, emergem das sombras a Malévola ou o bicho-papão, que atacam nossos “eus” imperfeitos com uma agressividade surpreendente. E a linguagem da autocrítica fere como faca afiada.

A maioria dos nossos pensamentos autocríticos assume a forma de um diálogo interno, comentários constantes avaliando o que estamos experimentando. Por não haver censura social quando o nosso diálogo interno é áspero ou insensível, muitas vezes falamos a nós mesmos de uma forma especialmente brutal. “Você é tão gordo e nojento!”. “Foi muito estúpido o que você disse”. “É um perdedor, mesmo. Não admira que ninguém o queira”. Esse autoabuso é muito comum. Floccinaucinihilipilification, palavra que significa considerar algo trivial, é uma das palavras mais longas no idioma inglês. O motivo pelo qual usamos o autoabuso é tão misterioso e perturbador quanto a pronúncia dessa palavra.

No entanto, nosso comportamento pode se tornar mais compreensível se entendermos que, assim como o autoengrandecimento, a autocrítica é um comportamento de segurança, projetado para garantir a aceitação dentro de um grupo social maior. Apesar de o cão alfa começar a comer primeiro, a matilha que deita no chão e mostra a barriga também consegue comer. A autocrítica é um comportamento submisso, porque faz com que nos humilhemos diante de outras pessoas imaginárias que nos julgam e depois recompensam nossa submissão com migalhas. Quando somos forçados a admitir nossos erros, apaziguamos julgamentos mentais, submetendo-nos às suas opiniões negativas.

Considere, por exemplo, como as pessoas muitas vezes se criticam na frente dos outros: “Eu pareço uma vaca neste vestido”, “Sou analfabeto com computadores”, “Eu tenho o pior sentido de direção de todas as pessoas que conheço!” (Estou sempre falando essa última frase, especialmente quando estou levando meus amigos a algum lugar e me perco pela enésima vez.) É como se estivéssemos dizendo: “Vou me criticar antes que você o faça. Reconheço minhas falhas e imperfeições. Sou assim e não preciso ouvir broncas repetindo o que eu já sei. Espero a sua empatia em vez de julgamentos. Além disso, quero que você me convença de que não sou tão ruim quanto imagino”. Essa postura defensiva decorre do desejo natural de não ser rejeitado e abandonado, e faz sentido quando falamos dos nossos instintos mais básicos de sobrevivência.

Trechos de livros

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