Trecho do livro "O Zen da pessoa comum" (clique aqui para comprar)
Cada um de nós tem sua posição; cada um de nós tem seu trabalho.
O grande milagre não é pular da cama quando meu filho chama,
Mas me pôr na horizontal na hora de dormir,
Na vertical quando acordo.
KOAN
Por que você pula no meio da noite quando seu filho chama?
REFLEXÃO
Há tantas coisas que fazemos sem planejar com antecedência; de fato, a grande maioria de nossas ações não requer nenhum pensamento. Se o pé esquerdo avança, o direito provavelmente segue, sem nenhuma consulta entre eles. Se um carro me fecha de repente, meu pé em geral acerta o freio automaticamente. Às vezes chamo essas ações de “moleza” porque não temos de pensar sobre o que fazer. Da mesma forma, nosso sistema digestivo funciona sem darmos ordens. Enquanto escrevo isto, meus dedos sabem exatamente por onde ir no teclado e, quando leio minhas palavras na tela, meu braço direito se mexe, colocando meu cotovelo na mesa. Como é que ele sabe que gosto de encostar a cabeça na palma da mão enquanto leio? Porque é moleza.
Os cientistas dizem que todos esses são comportamentos aprendidos, remontem eles à aula de autoescola de cinquenta anos atrás ou a fragmentos de memória armazenados em nosso DNA há alguns milhões de anos. Mas tudo chega à mesma coisa: a cada momento, a ação está ocorrendo sem uma ordem consciente nem nenhuma tomada de decisão minha.
Então, o que acontece quando seu filho chama de repente no meio da noite? Você provavelmente pula da cama para ver o que há de errado. Não se interrompe para se perguntar se deve fazer isso, se não está cansada demais, ou como vai levantar de manhã para ir trabalhar. Mais tarde, pode sentir sua exaustão e se perguntar como conseguirá atravessar o dia, mas no momento em que ouve aquele grito súbito, pula da cama.
Você faz isso toda vez? Meu marido me chama quando estou no meio de alguma coisa; o cachorro geme pedindo café da manhã quando ainda estou na cama; um amigo me convida para um filme. As situações que me deixam incerta ou relutante são as em que paro para pensar.
Um amigo compara isso a ir à biblioteca. Algumas coisas aprendemos indo à biblioteca, mas muitas outras sabemos fazer por nós mesmos. As perguntas que fazemos ao bibliotecário, ou a nossa consciência, são as que nos deixam confusos. Uma moradora de rua pede uma esmola — o que faço? Meu pai está desenvolvendo Alzheimer enquanto ainda jovem — o que faço? Alguém diz eu te amo ou não te amo mais — o que faço?
Fazemos parte de um fluxo de chamada-e-resposta. Quando seguimos esse fluxo de maneira natural, suave e desobstruída, não estamos lutando contra nossos pensamentos nem sentimentos, não estamos lutando contra nós mesmos; fazemos apenas o que está a nossa frente sem distração.
Há um koan famoso sobre o vento agitando a flâmula de um templo. Dois monges discutem sobre isso, um dizendo que a flâmula está se movendo e o outro insistindo que é o vento. Passando ali, Huineng, mestre Chan do século VII, diz: “Não é nem o vento nem a flâmula que se move. É sua mente que está se movendo.”
A vida se manifesta. O vento faz o que faz, a flâmula faz o que faz, e nossa mente entra em parafuso, fornecendo nomes, rótulos e descrições: o vento está se movendo! Não, a flâmula está se movendo! — e então a mente começa a discutir consigo mesma.
O que nos confunde? Não as coisas em si mesmas, mas nossos sentimentos, julgamentos e preferências, que inflam como grandes balões e nos levam embora. Quando a mente se acalma, você não vê com mais clareza? O fluxo de atividade não parece natural e orgânico?
Algumas pessoas se contorcem tentando entender tudo, convencidas de que, se pensarem e planejarem o suficiente, as coisas darão certo no final. A vida funciona independentemente. A questão é: onde está você? Está vivendo ou discutindo sobre a vida em sua mente?
Quando eu morava num bairro pobre do sudoeste de Yonkers, não podia ir para casa sem que me parassem para pedir dinheiro. A história que ouvia com mais frequência era de que a pessoa precisava de dinheiro para comprar fraldas para o bebê. Eu nunca sabia o que fazer. Havia muitos ingredientes no fogo: ideais de dar livremente, o fato de eu ter pouco dinheiro, raiva de pessoas que, eu tinha certeza, estavam me enganando, consciência da alta taxa de drogas e álcool onde morávamos, e a dificuldade que eu tinha de dizer não.
Um dia subi a colina e, como esperado, uma mulher me parou pedindo dinheiro para comprar fraldas para o bebê. “Vocês todos me contam a mesma história todo dia, não acredito numa palavra que você diz!”, falei finalmente. Ela sorriu e lançou-me um olhar atrevido. “Ok, mas você pode me emprestar uma de cinco?”
Olhei diretamente naqueles olhos petulantes e ri. Com apenas algumas palavras, ela me tirara daquele caldeirão de culpa e confusão, trazendo-me direto para aquele momento de encontro, cara a cara.
Não me lembro se lhe dei dinheiro ou não, só que meu riso foi moleza.
Por que você se levanta ao som de seu bebê? Por que você vai à porta ao som da campainha? Por que coloca seu casaco no inverno? Por que faz o voto de salvar todos os seres?