Nossa jornada pela vida é cheia de perigos e possibilidades – e, às vezes, os dois ao mesmo tempo. Como podemos permanecer no limiar entre sofrimento e liberdade, sendo informados pelos dois mundos? Com nossa propensão a dualidades, os humanos tendem a se identificar com a terrível verdade do sofrimento ou com a liberação do sofrimento. Mas acredito que excluir qualquer parte do cenário maior de nossas vidas reduz o território de nosso entendimento.

A vida me levou a geografias emocional, social e geograficamente complexas. Militei em movimentos de Direitos Civis e Antiguerra dos anos sessenta, trabalhei em um grande hospital público como antropóloga médica, fundei e lidero duas comunidades educacionais de práticas espirituais, sentei-me ao lado de pessoas moribundas, fui voluntária em uma prisão de segurança máxima, meditei por longos períodos, colaborei com neurocientistas e psicólogos sociais em projetos baseados em compaixão e administrei clínicas médicas nas áreas mais remotas do Himalaia – tudo isso me apresentou desafios complexos, incluindo períodos de opressão. A aprendizagem adquirida com essas experiências – especialmente com minhas lutas e fracassos – me deu uma perspectiva nunca antes imaginada. Enxerguei o profundo valor de absorver todo o panorama da vida sem rejeitar ou negar o que nos é dado. Também aprendi que nossa desobediência, dificuldades e “crises” podem não ser obstáculos intransponíveis. Na verdade, podem ser portas de entrada para paisagens internas e externas mais amplas e mais ricas. Se estivermos dispostos a investigar nossas dificuldades, conseguiremos convertê-las em uma visão da realidade mais corajosa, inclusiva, nova e sábia – como muitas outras pessoas que caíram no abismo.

Estados limite

Ao longo dos anos, fui tomando consciência, lentamente, de cinco qualidades internas e interpessoais que são chaves para uma vida compassiva e corajosa e, sem as quais, não podemos estar a serviço, nem tampouco sobreviver. No entanto, se esses preciosos recursos se deteriorarem, poderão se manifestar como paisagens perigosas que causam danos. Chamo essas qualidades bivalentes de Estados Limite.

Os Estados Limite são o altruísmo, a empatia, a integridade, o respeito e o engajamento, valores de uma mente e um coração que exemplificam o cuidado, a conexão, a virtude e a força. No entanto, também podemos perder o equilíbrio firme frente aos elevados riscos de qualquer uma dessas qualidades e mergulhar em um lodo de sofrimento, onde nos veremos presos nas águas tóxicas e caóticas dos aspectos nocivos de um Estado Limite.

O altruísmo pode se transformar em altruísmo patológico. As ações desinteressadas a serviço dos outros são essenciais para o bem-estar da sociedade e do mundo natural. Mas, às vezes, nossos atos, aparentemente altruístas, nos prejudicam, prejudicam aqueles a quem estamos tentando servir ou prejudicam as instituições às quais servimos.

A empatia pode deslizar para a angústia empática. Quando somos capazes de sentir o sofrimento de outra pessoa, a empatia nos aproxima uns dos outros, pode nos inspirar a servir e a expandir nossa compreensão do mundo. Mas se assumirmos demasiadamente o sofrimento do outro e se nos identificarmos intensamente com ele, poderemos acabar prejudicados e incapazes de agir.

A integridade refere-se a termos fortes princípios morais. Mas, quando praticamos ou testemunhamos atos que violam nosso senso de integridade, de justiça ou de bondade, o resultado poderá ser o sofrimento moral.

O respeito é uma maneira de termos consideração e estima pelos seres e pelas coisas. O respeito pode naufragar nas águas pantanosas do desrespeito tóxico quando vamos contra a corrente de valores e princípios da civilidade e depreciamos os outros ou a nós mesmos.

O engajamento em nosso trabalho pode trazer um senso de propósito e significado às nossas vidas, principalmente se nosso trabalho serve a outros. Mas o excesso de trabalho, um local de trabalho tóxico e a experiência de falta de eficácia podem levar ao esgotamento (burnout), o que pode causar colapso físico e psicológico.

Como um médico que diagnostica uma doença antes de recomendar um tratamento, me senti compelida a explorar o lado destrutivo dessas cinco qualidades humanas virtuosas. Ao longo do caminho, me surpreendi ao descobrir que, mesmo em suas formas degradadas, os Estados Limite podem nos ensinar e nos fortalecer, assim como ossos e músculos são fortalecidos quando expostos ao estresse ou, se quebrados ou rompidos, nas circunstâncias adequadas, podem se curar e se tornar mais fortes por terem sido feridos.

Em outras palavras, perder o equilíbrio e escorregar para o aspecto nocivo não precisa ser uma catástrofe definitiva. Nossas maiores dificuldades podem nos trazer humildade, perspectiva e sabedoria. Em seu livro The Sovereignty of Good (1970), Iris Murdoch definiu humildade como sendo um “respeito altruísta pela realidade”. Ela escreve que “nossa imagem de nós mesmos se tornou grande demais”. Descobri isso ao me sentar ao lado de pessoas moribundas e estando junto dos cuidadores. Fazer esse trabalho íntimo com aqueles que estavam morrendo e com os que estavam cuidando me mostrou como os custos do sofrimento podem ser graves tanto para o paciente quanto para o cuidador. Desde então, aprendi com professores, advogados, diretores de empresas, defensores de direitos humanos e pais que eles podem passar pela mesma experiência. Lembrei-me então de algo profundamente importante e, no entanto, completamente óbvio: que o caminho para sair da tempestade e do lodo do sofrimento, o caminho de volta à liberdade, no limite mais elevado da força e da coragem, é através do poder da compaixão. Foi por isso que mergulhei profundamente na tentativa de compreender o que são os Estados Limite e como eles podem moldar nossas vidas e a vida do mundo.

Trechos de livros

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