O trecho abaixo é parte do primeiro capítulo do livro "Autocompaixão feroz", da autora Kristin Neff.
A autocompaixão é útil para qualquer pessoa. Muito do que escrevi no passado foi neutro quanto a gênero. Mas acredito que a autocompaixão é especialmente necessária para as mulheres neste momento da história. Cansamos de reclamar e sermos tratadas como se fôssemos incompetentes. É hora de receber remuneração justa no mercado de trabalho e termos o mesmo poder e representação que líderes nacionais homens, tanto nos negócios quanto no governo. A autocompaixão feroz, especialmente quando equilibrada com a autocompaixão terna, pode nos ajudar a lutar por nossos direitos e combater o dano causado por séculos, quando era dito às mulheres para se calarem e ficarem bem comportadas.
Também fui inspirada a escrever este livro como consequência do Movimento #MeToo. Por muito tempo, as mulheres varreram o assédio e abuso sexual para debaixo do tapete. Temíamos que as pessoas nos desacreditassem. Isso nos traria vergonha ou apenas causaria mais danos. Mas isso mudou em 2017, quando centenas de milhares de mulheres usaram a hashtag #MeToo para compartilhar suas experiências de assédio e agressão sexual. De repente, eram os homens que estavam deixando seus empregos com suas reputações em ruínas.
Como abordarei em detalhes mais tarde, minha história ressoa com a de inúmeras outras mulheres ao redor do globo. Apesar de ser uma professora de mindfulness e compaixão reconhecida, fui enganada e manipulada por alguém que se revelou um predador sexual. Um homem em quem confiei e a quem apoiei estava realmente assediando e abusando de várias mulheres sem meu conhecimento. Minha prática de autocompaixão é o que me permitiu lidar com o horror da descoberta. Minha autocompaixão terna foi o que ajudou a me curar e a autocompaixão feroz me estimulou a falar e me comprometer a não deixar esse mal continuar. O movimento pelo direito das mulheres nos deu acesso ao campo profissional, mas, para termos sucesso, precisávamos agir como homens, suprimindo qualidades ternas que são desvalorizadas no mundo masculino. Ao mesmo tempo, não gostamos de ser agressivas e assertivas em demasia. Isso nos deixa diante de um impasse insólito: ter sucesso e, consequentemente, ser desprezada ou ser amada, mas permanecer desprezada. As mulheres sofrem mais pressão para provar seu valor no trabalho, além de estarem sujeitas a assédio sexual e receberem salários mais baixos.
O resultado final é o seguinte: a configuração atual não está mais funcionando para nós. Acredito que, desenvolvendo e integrando a autocompaixão feroz e terna, as mulheres estarão mais bem equipadas para perceber nosso verdadeiro eu e fazer as mudanças necessárias no mundo ao nosso redor. O patriarcado ainda está vivo e causando grandes malefícios. Estamos sendo chamadas por causa das urgentes questões de hoje — assédio sexual, desigualdade salarial, preconceito crescente, disparidades de saúde, divisão política, nosso planeta agonizando — para reivindicar nosso poder e agir.
Porque sou branca, cisgênero e mulher heterossexual, sem dúvida haverá viéses inconscientes naquilo que escrevo. Embora eu tente da melhor forma abordar a experiência diversificada de pessoas que se identificam como mulheres, meus esforços certamente serão insuficientes. Por favor, perdoem-me. É minha esperança que este livro estabeleça princípios gerais, falando de forma significativa da experiência de pessoas com diferentes interseções de identidades. Nem todas as mulheres são iguais, e nem todo sofrimento é o mesmo. Mas eu acredito que a autocompaixão feroz e terna, ao mesmo tempo, é relevante para todas as pessoas, e chave para a luta contra sexismo, racismo, heterossexismo, capacitismo e outras formas de opressão.
Kristin Neff